terça-feira, 27 de setembro de 2011

Agosto

E se não restasse mais ninguém?
Se a graça da vida sumisse num dia
e o amor esvaísse pelas brechas do nada?

E se a dor se amoldasse junto à alma?
e frente a solidão abismal da falta
o real e o abstrato se fundissem...
pra sempre ?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Reprimido

Ele ainda assistia a apresentação, mas menos inquieto do que a instantes. Ao que parecia, não precisaria mais se apresentar. Nem mesmo parecia fazer parte da peça. Perguntava-se porque teria ficado tão agitado com isso tudo, pensando ter-lhe um papel reservado na cena. Logo, sossegado, dirigiu-se para a primeira fileira e, embaixo da mesa a esquerda, que ostentava panfletos de propaganda, sentou-se para assistir o resto da apresentação. Ninguém o notava ali, e ele parecia só notar uma pessoa. Talvez se chamasse Luisa, a bela moça, se sua memória fosse passível de confiança numa hora dessas. 

Ao final, quase todos abandonaram o local. Dos poucos que restavam, havia a moça, que parecia ter adormecido, e o rapaz embaixo da mesa, distraído a observá-la.

Depois de um tempo, enfim tocando-se da sua incapacidade de até mesmo fazer o favor de acordá-la (se é que queria isso), ele resolveu se levantar e ir embora. A passos curtos, lentamente foi desviando sua atenção para o corredor que levava à rua. Já quase saindo, resolveu dar uns passos para trás, e olhá-la mais um pouco, como se relutasse em ir pela última vez. Então, vendo-a, percebeu que dois rapazes estavam se aproximando. Continuou observando da porta de saida, e notou que os rapazes ameaçavam se exaltar. Quando um dos dois, com o que parecia ser uma caneta, repreendeu mais severamente a moça, ele percebeu que as coisas poderiam sair do controle se não agisse. Tomado de uma simples vontade de apaziguar a situação, dirigiu-se rapidamente aos rapazes e pediu para que saíssem. Conduziu-os com os braços, pacificamente, em direção ao corredor da rua. Ao voltar para ter com a moça, para sua surpresa, ela o recebia pronta para agradecer e contar-lhe algo mais.
- Eu não deveria durmir, eu entendo isso. Muito obrigado.
- Tive medo de até que ponto eles poderiam chegar...
- Sim, que bom que você chegou (sorriso). Mas eu estava tão embalada dormindo, se você me entende...
- Fico contente de ter ajudado.

            Então, fez-se apenas alguns segundos de silêncio, quando ela prosseguiu:

- Foi por causa de um amor reprimido... que aconteceu. Você já sentiu isso?

            Neste momento o rapaz sentiu-se encabulado. Não sabia se estava feliz ou preocupado com o que acabara de ouvir. Pensava no quanto ela estava enxergando em seus olhos, o quanto eles deixariam escapar do que nem ele mesmo permitia-se lembrar. Desconfiava do que ela poderia lhe revelar, e então limitou-se, ancioso, a ouvir.

- Sabe, esse sentimento me tocou profundamente. Era uma expressão de tristeza ímpar, que me desconsolava. Como eu poderia simplesmente acordar?
- Nossa.
- E havia um trem. Alguém me acenava de lá e dizia: “vem”. Ele esperava muito que eu me decidisse. Não havia pressão, e nem ele mesmo disse algo mais. Apenas “vem”. Que sonho...

Em seguida fez-se silêncio e ela dirigiu seu olhar para o chão, como se tivesse terminado. Parecia que havia cedido nesse instante a refletir o que dissera. E seu subconciente emergia com tal peso em seus olhos, que dava a impressão de não conseguir mais levantá-los.

- Aí você acordou?
- Não me lembro de mais nada.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Despedida


Há muito estou perdido onde não dá para entrar,
onde me escoro pelos cantos e me movo devagar,
sob um teto de veludo azul, ou fino véu polarizado;
e estrelas que reluzem e me enchem de esperança.

Todo dia beijo sua boca, que já não se abre mais.
Você diz que não é "talvez", de toda a sua intuição,
que isso te entritece, e eu juro, eu não duvido não.
Talvez você me preferisse assim, menos presente,
e que o tempo não passasse dos primeiros dias.

sábado, 6 de agosto de 2011

Fim de noite no teatro

Ela fala que gosta dele e o convida pra jantar,
Ele diz que está ocupado, mas mais tarde vai ligar,
e assim, logo as fileiras do teatro se completam.

Ela pensa no que fazer depois de eles comerem,
Ele pensa preocupado no que dirá quando ligar,
e ouvem-se reclamações da atuação do rapaz.

O quarto moço da ultima fila é o mais agitado,
ele vê na qualidade dos atores a sua vida real,
mas não consegue assimilar tamanha simpatia:
"Esses atores são péssimos" pensa consigo...
"Logo poderiam estar tentando falar comigo."

E antes que começasse o ato do encontro,
o tal do moço simplesmente adormeceu.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Lady Sadness

Nos meus sonhos ela me chama de chato
e então me diz pra calar antes que eu fale,
e tudo o que eu mais peço são suas dicas
e suas visões enfurecidas do mundo real,
no seu quarto descolorido de hotel antigo,
com vários cigarros sobre uma das mesas
e a fumaça tomando o rumo do corredor.

O vento se arrasta das cidades lá do sul
e assobia nas horas de desgaste da noite.
Meus ouvidos vagam enquanto ela dorme.
Ouço suas palavras  guindas pelo passado
e penso no que mais pode ainda esvoaçar,
sem saber que eu continuo acordado.

Ela me ignora já faz mais de uma semana,
e eu me desiludo sem saber se isso é real.
Num dos bolsos, sinto dois pesos peruanos.
E sobre os olhos, a dor das películas daqui.
Agora, falo com uma garota alegre de sutiã
que me analisa, e ri de tudo o que eu falei.